quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Mágica da visão

Enock Sacramento 

Conheci Herê  Fonseca no final dos anos 90, na condição de membro da Comissão Julgadora do Mapa Cultural Paulista. O contato com o jovem artista foi breve, mas intenso. Seu interesse pelas questões relacionadas com a arte extrapolava os limites convencionais. Queria saber mais, questionar sobre critérios, sobre possibilidades do fazer artístico.  Lembro-me de ter-lhe dito que a arte não é o domínio do real, mas do possível, que ela não se refere ao que é, mas ao que pode ser. E que a missão do artista, na visão de Paul Klee, não é a reprodução da realidade, mas a produção de uma nova realidade, independente e autônoma.
Perdi, na sequência, contato pessoal com o artista, de quem me chegavam notícias, de quando em vez e por meios diversos, dando conta que ele continuava muito atuante em Piracicaba, onde participava dos eventos artísticos mais significativos da cidade e na qual realizava exposições individuais de peças tridimensionais, espécie de garatujas metálicas aéreas, sustentadas por fios presos ao teto, de esculturas espaciais, que se configuram como um desenho no espaço e que originam novas linhas ao serem projetadas como sombras nas paredes. O movimento provocado pelo vento ou pelo toque remete a um espetáculo mágico de matérias, luzes e sombras, sutil, harmonioso ou agitado em função de interferências suaves ou incisivas. Trabalhos nessa linha de pesquisa  constituem contribuição original de Herê na produção de uma nova realidade, a de seu universo artístico, que tem peso e leveza ao mesmo tempo, material e imaterial, e com a qual ele constrói uma poética próxima à da dança. Paralelamente, ele desenvolve uma outra série de pinturas e de trabalhos em que peças de arame são incorporadas a pinturas.
Imagino que Herê lembrou-se por acaso do crítico que com ele cruzou há mais de 10 anos em São Paulo. Em novembro de 2009, o Jornal da ABCA – Associação Brasileira de Críticos de Arte, em seu numero 22, publicou a notícia do lançamento de um livro de nossa autoria e, concomitantemente, uma consubstanciada matéria sobre a obra de Herê Fonseca, referenciado na exposição “Oscilações”, realizada no SESC Arsenal, de Cuiabá, redigida pela critica, professora e curadora Ludmila Brandão. Foi nesta ocasião que tive notícias mais recentes do artista, que ele mudou-se para Mato Grosso, onde vive e trabalha atualmente.
Agora, inesperadamente, sou convidado pelo artista, por intermédio da profa. Maria Thereza Azevedo, a redigir um texto sobre ele para a nova exposição que realiza no MACP: Cubo Negro.  Não poderia, de forma alguma, declinar-me da tarefa, mesmo não tendo visto a obra a vivo, como seria desejável.  Informações e imagens me foram enviadas. Desta feita, Herê mostra, no interior de um cubo, uma série de esboços em guache preto sobre papel branco, visíveis com o auxílio de lanternas penduradas no interior do espaço. A instalação sugere uma viagem às origens da criação, à morada das idéias que se transformam, através da sensibilidade e do gesto do artista, em linhas e manchas, signos e sinais. Herê, que em outros momentos desenhou no espaço, desenha agora no piso e nas paredes internas de um cubo, espécie de útero em que a obra de arte é gerada. Em ambos os casos, todavia, Herê pratica o que Merleau-Ponty denominaria de uma teoria mágica da visão.

Enock Sacramento

Membro da ABCA - Associação Brasileira de Críticos de Arte

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